sexta-feira, 7 de novembro de 2008

o bairro da terra firme

Gostaria de contar um pouquinho da história de um dos bairros mais violentos da periferia de Belém, onde o número de assaltos a mão armada à pessoas que não têm nada, dinheiro, roupa bacana, celular bacana ou qualquer coisa, muitas vezes nem mesmo uma casa para morar, nem mesmo bolsas na volta para casa antes de abrir o cadeado, porque todo mundo ta morando trancafiado, como se fossem eles os bandidos, o número de homicídios também cresce a cada dia e qualquer um pode ser a próxima vítima. Mas do passado as pessoas guardam algumas boas lembranças.
A Terra Firme tem mais ou menos 60 anos, historicamente é um bairro muito novo, muita gente que participou de sua fundação ainda mora por aqui e assim foi possível conversar com algumas delas e anotar alguns dados para se ter alguma coisa para escrever a respeito no futuro.
Segundo os moradores, dona Maria (do seu Waldete, que é para ninguém confundir), dona Raimunda e seu Cotó (os pais da Izaura), a Fafá (aquela que era do pt e do centro comunitário bom jesus), dona Célia e seu Léo (meus pais), a Terra Firme era uma área alagada para onde as pessoas vieram por não ter onde morar e ganhou esse nome devido a pequena área de terra firme que possuía, alguns dizem que era uma área de treinamento militar do exército, sem nada do que existe hoje, sem a UFRA, o museu, a Eletronorte, o seminário, o SERPRO , enfim, nada, na área da eletronorte era um gapó onde criavam boi e peixe, na passagem liberdade, onde fica o posto, tinha no meio do caminho um igarapé onde as crianças tomavam banho, no caminho de canudos para a terra firme tinha uma ponte feita de açaizeiro por onde nem se pensava passar ônibus, era um bairro que se parecia mais com um interior, com um vizinho bem distante do outro, mas que se reuniam na frente das casas para contar histórias de assombração,mula sem cabeça, a velha que virava porco,a matinta pereira que passava a noite pedindo cigarro, sem luz elétrica, sem água encanada, sem porta trancada, as pessoas sentem muita falta da época em que a ditadura militar botava ordem nas coisas, mas os feitos nunca eram diretamente nelas, tudo era muito distante nem noticias de tortura se chegava por aqui, era o século 19 em pleno 1964, moças só saiam de casa acompanhadas dos pais e dos irmãos, casamento tinha que ser na Igreja de São Domingos de Gusmão, onde aconteciam as festas, as quermesses, os arraiais e toda a vida social do bairro, todos casavam cedo, estudavam pouco, trabalhavam muito.
Até que o século 20 chegou, trouxe a luz elétrica, a televisão, as portas, as proibições, os assaltos, a multidão, um vizinho grudado no outro, mas até a década de 1990 nada tinha de muito assustador, crianças ainda eram crianças, brincavam nas ruas sem utilizar de nenhuma arma, sonhavam com uma profissão, as pessoas circulavam nas ruas sem muito medo, mas de 1995, mais ou menos, em diante, brigas de gangues, que já existiam antes, deixaram de ser só entre eles e começou a ameaçar a vida de outras pessoas, deixaram de pichar para atirar contra quem assaltavam ou simplesmente passava na rua, formaram quadrilhas organizadas por ruas, ligação, Lauro Sodré, vinte e quatro, qual? Inimigos cômodos filmes de policia e bandido que a televisão insiste em repetir toda tarde ensinando como se faz, hoje tem muitas escolas e o bairro está acompanhando direitinho a história do século 21,tem muita escola e nenhuma qualidade na educação,mas tem municipais, estaduais, federal, creche, centros comunitários, delegacia, posto médico, feira fixa, muitos supermercados, de um único dono, mas tem muitos,muitos armarinhos, , mercadinhos, lojas de material de construção, vendedor de açaí, mercearia, baiúcas, botecos, bares, onde todo final de semana morre uma carrada de gente, a maioria bandidos que acham interessante e bonito atirar nos outros, até que outros vêm e matam, é uma rotina de final de semana, mas alguns já se tornaram igrejas evangélicas, também tem igrejas, católicas e evangélicas, terreiros afros, tem uma universidade e é grudado em outra, tem a eletronorte, a celpa, o museu, o serpro, a EMBRAPA, o seminário, tinha a funpapa, ,não sei se ainda está funcionando, na perimetral tem um milhão de coisas até as casa que a governadora mandou arrancar para passar o asfalto, tem luz elétrica, as vezes, água encanada, as vezes, tem muito calor intensificado pelo asfalto do prefeito e as casas que acabaram com os “inúteis” quintais, tem muita criança aprendendo a roubar, muita gente estudando, produzindo arte, falando de poesia,crianças ainda brincam,mas já não é mais a mesma coisa, tem muito computador que ninguém sabe usar,mas que todo mundo mexe, tem muito cyber, muita miséria, muito calor...muito mesmo...

(Leila Leite, em 04-11-08, terça-feira,às 10:16 da manhã)