sábado, 30 de agosto de 2008

uma poligrafia do espaço

uma poligrafia do espaço, o pó miligramado de ouro, eu roia minhas unhas zinco , dentes de cadela no cio da noite, puteiro dietetico , comendo o cu pelo cu . era um bando de elefante que consumia tudo o que via pela frente com dente de marfin . o primo latino da cultura angloxiíta dorme na calçada que serve de edredon , para a maioria de tucanos nativo da provincia norte, norte mar , norte de todas as esperança , esperança de um esquecimento histórico . que um dia , um bando de elefante venha a lembrar que um dia dormia em berço esplendido a historia de um povo bandido e mal- civilizado , que diga os defuntos que regem este país captropicaloide , ou desnutrido de cultura $$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$sifra e zeros é tudo que conta no final.... (quick).........

quinta-feira, 28 de agosto de 2008


segunda-feira, 25 de agosto de 2008

cineclube corredor polonês

dia 22 de agosto, sexta feira passada, aconteceu a inauguração do cineclube corredor polonês
no corredor polonês espaço das artes.
o cineclube movimentou o espaço por inteiro, do sebo ao salão onde o filme terra em transe de glauber rocha foi exibido com sessão lotada. antes o francisco weil, realizador de cinema e organizador do cineclube amazonas d'ouro e cineclube corredor polonês, abriu o evento com sua conferência relampago, abordando o trabalho de glauber e nietzsche.
o cineclube é uma parceria do corredor polonês, cineclube amazonas d'ouro e rede aparelho.
em breve divulgaremos a próxima programação do cineclube corredor polonês.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

aqui

nesta pedra

alguém sentou
olhando o mar

o mar
não parou
pra ser olhado

foi mar
pra tudo quanto é lado


paulo leminski
Algo sobre Fanzines
Edgard Guimarães

O que é Fanzine?
De um modo geral o fanzine é toda publicação feita pelo fã. Seu nome vem da contração de duas palavras inglesas e significa literalmente 'revista do fã' (fanatic magazine). Alguns estudiosos do assunto consideram fanzine somente a publicação que traz textos, informações, matérias sobre algum assunto. Quando a publicação traz produção artística inédita seria chamada Revista Alternativa. No entanto, o termo fanzine se disseminou de tal forma que hoje engloba todo tipo de publicação que tenha caráter amador, que seja feita sem intenção de lucro, pela simples paixão pelo assunto enfocado
Assim, são fanzines as publicações que trazem textos diversos, histórias em quadrinhos do editor e dos leitores, reprodução de HQs antigas, poesias, divulgação de bandas independentes, contos, colagens, experimentações gráficas, enfim, tudo que o editor julgar interessante.
Os fanzines são o resultado da iniciativa e esforço de pessoas que se propõem a veicular produções artísticas ou informações sobre elas, que possam ser reproduzidas e enviadas a outras pessoas, fora das estruturas comerciais de produção cultural.
O que não é Fanzine!
Obviamente as revistas profissionais que são vendidas nas bancas não são fanzines. O principal fator de diferenciação é uma conseqüência do fato de terem grandes tiragens e darem lucro. A revista profissional é feita em função de um mercado preexistente. Como precisa vender para se sustentar, a revista profissional tenta oferecer aquilo que uma parcela do público leitor quer, ou seja, a revista profissional é feita em função do leitor. O fanzine, ao contrário, é a forma de expressão do editor, ou grupo de editores. O que define a pauta do fanzine é aquilo que seu editor deseja compartilhar com seus leitores. O fanzine é caracterizado pela independência do editor. E uma das garantias desta independência é que muitas vezes o editor mantém o fanzine arcando com seus prejuízos.
Outra característica do fanzine é que este está intimamente ligado à atividade cultural, à sua divulgação e ao prazer de se estar envolvido nela. Os fanzines podem ser de música, poesia, cinema, quadrinhos, literatura etc. Não são fanzines os diversos boletins e informativos de associações comerciais, de ordens religiosas, de organizações e empresas diversas, mesmo que muitas vezes estes boletins sejam mantidos dando prejuízo.
Fanzine é revista, ou seja, uma publicação impressa em que cada leitor pode ter seu exemplar, como denota o 'magazine' que forma seu nome. Atualmente, com o desenvolvimento da tecnologia, a palavra fanzine já está sendo usada em trabalhos que não estão na forma de revista, mas que trazem o tipo de material encontrado nos fanzines impressos. É o caso de páginas na Internet ou CD-ROMs que são chamados de fanzine eletrônico.
Quando começou?
No Brasil, o primeiro fanzine de que se tem registro é o Ficção, criado por Edson Rontani, em Piracicaba (SP), em 1965. Nesta época usava-se o termo "boletim" para designar as publicações amadoras, o termo fanzine só começou a ser usado a partir de meados da década de 70. A motivação de Edson Rontani foi manter contato com outros colecionadores de revistas de quadrinhos para venda e troca de revistas. Mas já no primeiro número, Edson coloca diversos textos informativos e uma importantíssima relação das revistas de quadrinhos publicadas no Brasil desde 1905.

Por que fazer Fanzine?
Há vários motivos que levam uma pessoa a fazer um fanzine. O motivo que está na origem do surgimento do fanzine é o fato da pessoa ser fã de algum assunto (um personagem de HQ, um ídolo de cinema etc) e querer manter contato com outros aficionados. Às vezes, a iniciativa começa com a criação de um fã-clube que depois produz um boletim. Muitas vezes o editor deseja compartilhar com outros interessados o material de sua coleção. Alguns autores desejam divulgar sua própria expressão artística e o fanzine é o veículo. Muitas vezes, o autor não tem intenção de aumentar sua tiragem, mas sim produzir apenas para um círculo de amigos que tem interesse naquele tipo de manifestação artística. Outros autores buscam a profissionalização e o fanzine é o meio de mostrar seu trabalho para outras pessoas ou para os editores profissionais, e ao mesmo tempo um estímulo para produzir e aprimorar o trabalho. Em resumo, o editor precisa ter algo a dizer e a disposição para materializar este desejo na forma de fanzine, e contatar outras pessoas com interesses comuns.
Como fazer?
A produção de um fanzine abrange as etapas que começam com a iniciativa de editar, passa pelo trabalho de definir linha editorial, conseguir o material a ser editado, manter contato com colaboradores, montar a edição, conseguir a impressão, até chegar ao resultado final que é a edição impressa. A elaboração dos originais da edição depende principalmente da visão do editor, sua capacidade de criar, de contatar outros criadores, de organizar todo o material disponível. A edição será reflexo da formação cultural do editor. Todo tipo de material é válido para compor a edição (HQs, poesias, contos, fotos, ilustrações, colagens etc).
Obviamente, o resultado também dependerá dos recursos materiais que o editor tiver disponíveis, como máquina de escrever, computadores, scanners etc, mas estes não são os ingredientes mais importantes na feitura da edição. O que caracteriza primordialmente um fanzine é a personalidade que seu editor lhe imprime.
Álbum pode ser Fanzine?
Embora, de um modo geral, os fanzines sejam edições mais modestas quanto à forma, pois dificilmente seu editor tem recursos financeiros para custear edições mais caras, regularmente aparecem verdadeiros álbuns no meio independente. A apresentação com alta qualidade gráfica não descaracteriza o fanzine, pois continua sendo uma edição feita com espírito independente.
Há pirataria em Fanzine?
Uma característica bastante presente nos fanzines é a republicação de material de outras publicações. A maior incidência é de histórias em quadrinhos antigas retiradas de revistas das décadas passadas, histórias em quadrinhos estrangeiras não publicadas no Brasil, textos e reportagens tirados de revistas, livros e jornais antigos ou atuais etc. Esta atitude poderia ser chamada de pirataria, e muitos editores até se referem a ela por este nome, pois o termo tem um apelo romântico desde os romances de corsários de séculos atrás. Assim o nome "pirata" tem aparecido em títulos de fanzines, nomes de seções e mesmo em pseudônimo de editor. No entanto, para desilusão dos românticos, esta atitude dos editores não tem nada de contravenção. A edição de fanzines não é uma atividade em que o editor, ao republicar material de autoria de outros, estivesse obtendo benefícios às custas destes trabalhos. Pelo contrário, são raros os fanzines em que a receita consiga alcançar a despesa, sendo que muitas vezes a distribuição dos exemplares é gratuita para um círculo de amigos. O que move o editor de fanzine é o desejo de compartilhar com outras pessoas todo tipo de material a que teve acesso e que considera importante a divulgação a outros interessados. Dentro deste espírito, muitas vezes o editor realiza verdadeiras expedições arqueológicas para trazer a público, ainda que infelizmente a um público muito reduzido, verdadeiros tesouros perdidos em publicações há muito esquecidas. O ponto central da questão é que os fanzines, de forma desinteressada, têm feito um serviço de resgate e difusão de aspectos da cultura muitas vezes negligenciados tanto pelas empresas editoras quanto pelos órgãos governamentais.
Qual a importância dos fanzines?
A primeira e maior importância dos fanzines é a cultural. Ou seja, os fanzines, de um jeito ou de outro, em maior ou menor grau, serão incorporados à cultura brasileira. Também é importante para a formação e amadurecimento de artistas. Nos aspectos crítico e informativo, a liberdade criativa dos fanzines permite a veiculação de trabalhos mais isentos e com maior profundidade. Muito importante é a iniciativa de resgate de trabalhos e autores brasileiros e estrangeiros feito pelos editores de fanzine. A inexistência de um mercado profissional estável para o quadrinhista brasileiro desestimula tanto a produção dos artistas já maduros quanto o desenvolvimento de novos talentos na área. Os fanzines têm promovido, mesmo que de forma bastante limitada, a produção de quadrinhos brasileiros através do incentivo da publicação, mesmo não remunerada e de alcance restrito. Por fim, são também importantes a satisfação pessoal dos editores e colaboradores de estarem divulgando seus trabalhos, ou a ampliação de amizades entre os que participam desse mundo dos fanzines.
Qual a qualidade dos fanzines?
A avaliação de fanzines não pode ser feita usando os mesmos critérios usados para avaliar trabalhos veiculados nas publicações profissionais. Muitas vezes o fanzine é uma obra extremamente pessoal, feita seguindo diretrizes muito próprias do editor e dirigida a um grupo específico de leitores. Com tantas especificidades, a obra está fora da capacidade de apreciação de quem não pertença ao grupo. Em alguns casos, o Fanzine é resultado da expressão de pessoas muito jovens, cujos trabalhos não têm maturidade artística, e não seria honesto avaliá-los pelos mesmos critérios usados nos trabalhos profissionais. Ao contrário, a atitude a ser tomada em relação a quem está procurando achar seu caminho artístico, aprendendo e evoluindo, deve ser de orientação e principalmente incentivo. Há, contudo, no meio independente, artistas completos, produzindo trabalhos que resistem à avaliação segundo critérios profissionais, tanto que uma parcela significativa das melhores HQs e revistas produzidas no Brasil nos últimos trinta anos se encontram no meio independente.
Quem é o autor?
EDGARD GUIMARÃES colabora com fanzines desde 1979 com textos sobre quadrinhos, cartuns, ilustrações e HQs. Em 1982, lançou o primeiro número de seu fanzine PSIU. Nos anos seguintes publicou outras edições como PSIU Mudo, Deus, Eco Lógico, os livretos Na Ponta da Língua e O Escroteiro Entrevistado (em parceria com Laudo), os livros Rubens Lucchetti & Nico Rosso e Desenquadro. A partir de 1993, começou a editar junto com Worney A. Souza o Informativo de Quadrinhos Independentes, de divulgação de fanzines.
Fez palestras e participou de debates sobre fanzines e HQs em eventos em Curitiba, Piracicaba, Araxá, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Santos, Recife e Belo Horizonte.
Recebeu o Troféu Risco pelo 'Melhor Fanzine Especial' em 88, o Prêmio Jayme Cortez, de incentivo aos quadrinhos, em 93, 94, 95, 96 e 99, e o Troféu Angelo Agostini de 'Melhor Fanzine' em 95, 96, 97 e 99.
Participou do livro As Histórias em Quadrinhos no Brasil - Teoria e Prática, com texto teórico sobre fanzine.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Na próxima sexta, 22 de agosto, data da morte do realizador brasileiro Glauber Rocha, a cidade de Belém ganha mais um espaço de produção, realização e estudos audiovisuais, o Cineclube Corredor Polonês.O Cineclube Corredor Polonês nasce da articulação entre três coletivos de intervenção artística urbana, o Corredor Polonês Atelier Cultural, a Rede Aparelho e o Cincleube Amazonas Douro (fundado em março de 2003, e que tem como presidentes de honra Zé do Caixão e o mestre de cinema da Escola do Porto, Sério Fernandes).O Cineclube Corredor Polonês comemora a morte do grande Glauber, com vida: logo na abertura da programação desta sexta, o carpinteiro de poesia e de cinema Francisco Weyl fará a conferência-relâmpago "Glauber e Nietzsche".Na conferência, ele promete "identificar elementos imagético-textuais que afirmam a unidade artístico-filosofal desses dois poetas necessariamente síntéticos, ao mesmo tempo em que tentará atravessar uma ponte sobre um abismo de idéias e imagens viscerais"."Nietzsche e Glauber exigem um exercício de desobediência criativa, através do qual o interprete tem que ser capaz de ultrapassar o homem que sucumbiu aos seus próprios medos: o homem que se ultrapassa a si próprio é um homem que tem a violência dentro de si", explica o carpinteiro.
SERVIÇO: Instalação do Cineclube Corredor Polonês, com a projeção do filme "Terra em Transe", de Glauber Rocha, e confeência relâmpago ("Glauber e Nietzsche"), de Francisco Weyl. Dia 22 de agosto, 19 horas, no Corredor Polonês Ateler Cultural, Rua General Gurjão, 253, em frente a Rua Ferreira Cantão, bairro da Campina.Esta mensagem foi enviada por FRANCISCO WEYL.

entrada: um livro usado (opcional)

para iluminar a cidade
Um manifesto


O índio oculta na oca os óculos do obvio
Voar sem limites os muros da cidade gritam
para nós todos os dias
caos vida cotidiano utopia
nós seguimos a tradição das ladainhas
seguimos a mesma profissão de fé do Buda alado
derrubando os muros da nossa própria estupidez
preconceito e ignorância
arrancando as mascaras como Glauber Rocha
uma utopia de luz azul carregando o cálice de ouro
os desejos jardim de luas deliciosamente brancas
luz a utopia grita é preciso viver é preciso utopia
para se viver para não calar não se perder
poesias do acaso tao xangô colorir a vida
abandonar a caverna e carregar o caos dentro de si
para dar a luz a estrela bailarina
é claro que devo soar como plágio daquilo que leio
o mundo as gentes afinal estamos nascendo agora
para iluminar a cidade
Que a luz azul nos ilumine a todos e nos faça
dançar na tarde bonita de verão e também
na tarde cinzenta de inverno
Um mar de vida e sonho e carnaval
invadem esta avenida congestionada de dor
Ser a utopia acontecendo
E não só ver
Viver é que é mágico
Se perder é mais simples
Ser um monge zen na tribo da loucura
Fogo
Terra
Ar
Água
Infinito
Que a coroa de todos os deuses ilumine o nosso sonho
Que sejamos livres
Utópicos
Libertos
Iguais
Iguais
iguais

elefante branco
lírios no pomar

também tenho fumado muito
porque pouco há o que hablar
pessoas são assim
coisas são assado
a boca secou
a palavra foi ao cinema
com o dicionário
e, se quiser, cultivo lírios no pomar.


chacal

frio da manhã
estranha sensação
sonho que
nunca chega ao fim
arco-íris
flores um sono
que não
me quer deixar

charles viramundo


carros loucos
na rua não conseguiremos
nos erguer
trânsito caos
bicicletas encantadas
voando para o
infinito

sebastião das neves

na próxima vez
que quiser ler meu pensamento
vai ver uma coisa
letras soltas
páginas rasgadas
capítulos sem fim
vírgulas loucas
surpresas e suspiros
tigres de papel
caras de nanquim

Camila Sintra



Eu conheço muito pouco
Desta vida
Quase nada me consola
Alguém me chama
A lua nova
Estrelas se apagam nos
Teus beijos
Esta vida sempre foge
Ao meu controle
Um segredo que não temos
Tua casa
Razão inexplicável
Das estrelas
Som que nos carrega
Pelo infinito
Som luz cores
Agora tudo é luz

Carl effe

Biografia polêmica
Gera rosa em Guimarães
A vida e a literatura
Sinfonias gerais
O charme sofisticado
A simpática beleza
Brilho e glamour
De Agnes e Vilma
Dance dance dance
Uma isca perfeita
Não acham

Robson crusué



Esperanças,
Cheguei tarde demais
Como uma lágrima

Paulo Leminski


Meus amigos são vagabundos
Bêbados zens iluminados
Mochileiros das galáxias decadentes
Errantes nômades utópicos revoltados
O sol queima o asfalto
Avenida que se perde nos escombros
Os nossos passos se distanciam
Assim mesmo o cansaço
Não nos larga
O foda mesmo é quando
A gente cansa de viver
Aí tudo passa a ser tédio
Tudo mesmo

Antonio brás

Buscando o silêncio azul


Guardo na estranheza de meus dias
O peso desta surda solidão
Ser luz que se apaga
Sonho doce
Deserto manhã
O café esfria sobre a mesa
Enquanto eu não me reconheço
Estranheza de mim de ti
Eu temo a luz
O som
A manhã
Memória desfeita de rotina e caos
Como posso agüentar tanta dor?
O deserto me chama
Destino mudo
Esta noite de tédio
Poesia que se cala e não me afeta
Esta estrada iluminada guarda
Segredos insondáveis
Eu sinto a luz distante da lua
O branco azul do céu
E me calo
Um monge que busca o silêncio

Ocnarb etnafele


Sussurro azul

O som que me move esta além do sonho
Que me sussurra este azul
Vida ó vida
Grita o peito ferido quase calado
A floresta é perigosa
Caí diante dos medos à pressa de ser
Entendo agora o meu pai
Quando em sua obra se isentou de ser deus
Quis apenas ser homem
A luta que nos obriga o sonho
Ser o menor entre todos
Batalha de mim mesmo
Som inebriante da vida
O amor que nos escorre por entre os dedos
Uma quase oração sem sentido mágico
A nossa própria tragédia

Ocnarb etnafele
PIO, Leopoldo G. Entre o Lugar e a Metáfora: cultura e comunicação na cidade contemporânea. Disponível em www.projetosexperimentais.com. Ano 1 – número 2 – Vol. 2 – 1º semestre de 2008. 12p. ISSN: 1982- 2421. ENTRE O LUGAR E A METÁFORA: CULTURA E COMUNICAÇÃO NA CIDADE CONTEMPORÂNEA
Leopoldo Guilherme Pio1
Sentimos que não somos mais homens de catedrais, palácios, tribunas, mas sim de grandes hotéis, estações ferroviárias, imensas estradas, portos colossais, mercados cobertos, galerias luminosas, de perspectivas retas, de demolições necessárias.
Massimo Canevacci
Resumo
Este ensaio tem por objetivo discutir as relações entre cidade contemporânea, cultura e comunicação. Partimos do pressuposto que a cidade se tornou protagonista dos processos econômicos e culturais fundamentais à sociedade contemporânea, por meio da convergência entre cultura, consumo e comunicação. A dimensão cultural do meio urbano passa a desempenhar papel primordial no seu desenvolvimento econômico. Propõe-se, assim, entender de que maneira as imagens urbanas viabilizadas pelos meios de comunicação são apropriadas pela lógica do mercado.
Palavras-chave: cidade, cultura, imagem urbana, consumo.
Abstract
This essay hás for objective to discuss the relations between temporary city, culture and communication. The hypothesis of this work is concerned with the city became protagonist of basic the economic and cultural processes in the society contemporary, by means of the convergence between culture, consumption and communication. The cultural dimension of the urban space starts to play primordial role in its economic development. It is considered, thus, to understand how the urban images made possible by the Medias are appropriate for the logic of the market.
Word-key: City, culture, urban image, consumption
1 Sociólogo, Mestre em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Especialista em Jornalismo Cultural pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da mesma instituição. É professor da graduação em Comunicação da Universidade Estácio de Sá, onde leciona Sociologia, Cultura Brasileira e Projetos Experimentais. Desenvolve pesquisas sobre a revitalização urbana e o papel da mídia impressa na produção social da memória coletiva.
65 PIO, Leopoldo G. Entre o Lugar e a Metáfora: cultura e comunicação na cidade contemporânea. Disponível em www.projetosexperimentais.com. Ano 1 – número 2 – Vol. 2 – 1º semestre de 2008. 12p. ISSN: 1982- 2421.
2 Destaco especialmente as cidades classificadas como "megalópoles". Estas podem ser caracterizadas como as cidades que sofreram um vertiginoso crescimento urbano a partir da década de 70; pelo fato desta aglomeração não se dever ao crescimento vegetativo, mas à convergência maciça de populações de outras origens; e pela consequente formação de uma civilização multicultural, composta por subculturas fundadas a partir de diferenças de critérios de distinção específicos - a nacionalidade, a classe social, a etnia, convicções religiosas, grupos etários, o gênero ou os hábitos sexuais.
3 Devo sinceros agradecimentos a Prof. Dra. Luciane Lucas pelos comentários e críticas à primeira versão deste texto.
4 Segundo Lucrécia Ferrara, as imagens urbanas - os monumentos, praças, fatos e informações históricas, o planejamento urbano e suas repercussões nas mídias - constituem um "sistema de ordem que comunica um código, um modo de entender, avaliar e valorizar a cidade". Assim, prossegue Ferrara, [...] no nível simbólico, corresponde a uma didática que ensina o que é e quem é na cidade. A imagem hierarquiza o espaço urbano na
Cidade e Cultura
O que é uma cidade, hoje? O que ela significa e como seus significados são assimilados por nós? Se entendermos a cidade como a projeção da sociedade em um determinado local (Lefebvre 1991), perceberemos que o espaço urbano é o palco aonde convergem múltiplas experiências humanas. Para nós, pesquisadores, a cidade contemporânea2 é uma fonte inesgotável de fenômenos que carecem de interpretação - as tribos urbanas, a degradação do espaço público e a sua revitalização, a cultura das favelas, o papel sociocultural dos shoppings. 3
Tais fenômenos demonstram que a cidade, além de ser um espaço físico organizado de forma específica, é também o lugar no qual é possível emitir valores, fixar identidades coletivas ou afirmar determinadas representações sociais. Toda cidade implica em uma representação de cidade, na medida em que esta se constitui a partir de imagens e símbolos historicamente construídos. 4 Toda cidade é uma metáfora de si mesma.
Este ensaio tem por objetivo refletir a respeito dos usos e papéis desempenhados pelo espaço urbano na contemporaneidade, considerando o papel do conceito de cultura nas suas vinculações com a comunicação e o consumo. Na próxima seção, abordaremos a especificidade da vida urbana e da influência da cultura mediática. Em seguida, trataremos o impacto da "economia da cultura" na lógica urbana e por fim, exploraremos as relações entre consumo e cidade.
Cidade e Cultura Mediática
As cidades modernas surgem em meados do século XVIII em decorrência da industrialização e do desenvolvimento capitalista e, mesmo incorporando locais da cidade tradicional, se estruturam segundo princípios totalmente diferentes dos assentamentos urbanos
66 PIO, Leopoldo G. Entre o Lugar e a Metáfora: cultura e comunicação na cidade contemporânea. Disponível em www.projetosexperimentais.com. Ano 1 – número 2 – Vol. 2 – 1º semestre de 2008. 12p. ISSN: 1982- 2421.
medida em que é a sua referência: a praça central, o edifício pós-moderno, o monumento histórico, a rua que se dimensiona na imagem de uma avenida ou de um beco" (Ferrara 1993, p.245-6).
5 O texto de Simmel data de 1902. Segundo o autor, a complexidade dos fenômenos urbanos modernos produz um intenso estímulo sobre a vida psíquica dos habitantes. Isto torna a personalidade urbana mais refinada e complexa, de modo a "controlar a complexidade e a extensão da vida moderna, bem como os impulsos irracionais da personalidade" (Simmel 1979:16-7). A metrópole moderna imprime a formalização e racionalização das relações sociais, forçando a vida mental dos citadinos a se ajustar aos mecanismos de produção e reprodução de mercadorias. Por isso, o comportamento típico da metrópole é a atitude blasé - a ausência de reação após fase de intensa integração a vida moderna, ou a "auto preservação pela desvalorização total do mundo objetivo" que se traduz pela incapacidade de discriminar valores e significados específicos.
pré-modernos. Esta especificidade é assinalada por Simmel (1979), ao perceber que a fragmentação e a descontinuidade do tecido urbano possibilitam a formação de uma vida psíquica metropolitana extremamente complexa.5 Neste sentido, a urbanidade moderna como um modo de vida distinto, calcada em estruturas físicas, organizações sociais e comportamentos coletivos específicos.
Neste sentido, o espaço urbano moderno pode ser visto como uma paisagem complexa que produz um fluxo intenso de relações sociais, informações e sentidos. Mas, no caso contemporâneo, pode-se perceber não só uma radicalização desta complexidade, mas também a reconfiguração da cultura urbana. Se tradicionalmente os espaços urbanos se caracterizavam pelos seus atributos históricos e estéticos, hoje as cidades são definidas não só pelo tipo de administração ou de economia, mas principalmente pela tecnologia, o mercado e o sistema de transportes e de comunicação. É sintomático que, no início dos anos 80, Giulio Carlo Argan destaque a mudança no sentido e função do espaço urbano:
Não só a cidade moderna é um sistema de informação e comunicação, como se integra em uma cultura reduzida, ou em vias de reduzir-se, a nada mais do que um sistema de informação e comunicação. O processo em andamento é o da transformação estrutural da cultura de classe em cultura de massa, [...] uma cultura cuja grande estrutura é justamente, a informação. As perguntas que, portanto, são as seguintes: [...] a cultura de massa, reduzida a circuito de informação, é conciliável com a historicidade institucional da cidade? E, em outro plano, é possível uma passagem, nem traumática, nem destrutiva, do sistema da história ao sistema da informação? (Argan 1995, p. 244-5).
Paradoxalmente, o interesse atual pela cultura da cidade e estilos de vida urbanos tem aumentado significativamente nas últimas décadas. Featherstone assinala a importância atribuída a cidades específicas (como Barcelona ou Rio de Janeiro), vistas como produtoras de capital cultural, histórico e estético singular. Como entender este novo condicionamento do patrimônio cultural e urbano?
67 PIO, Leopoldo G. Entre o Lugar e a Metáfora: cultura e comunicação na cidade contemporânea. Disponível em www.projetosexperimentais.com. Ano 1 – número 2 – Vol. 2 – 1º semestre de 2008. 12p. ISSN: 1982- 2421.
6 A noção de indústria cultural aparece pela primeira em vez em artigo homônimo de Theodor W. Adorno e Max Horkenheimer, no livro Dialética do Esclarecimento, publicado em 1947. Refere-se, originalmente, a exploração industrial da cultura feita especialmente pelo cinema norte americano, considerado então como manipulador e escapista. Desde essa análise pioneira, o termo se ampliou para designar os meios industriais de produção de cultura de massa – indústrias fonográficas, cinematográficas, editoriais, entre outras.
Sem dúvida, a inserção da cultura na lógica urbana mudou devido ao avanço da indústria cultural6, que possibilitou não só a organização da cultura como forma de entretenimento, mas também a ampliação do acesso a bens culturais e de consumo, ao permitir uma comunicação "multidirecional", que compromete todos os sentidos do espectador e que nos alcança independentemente de nossa atenção ou interesse. Mas a grande novidade é o embaçamento entre dois sentidos do conceito de cultura: o sentido antropológico (a cultura enquanto modo de vida) e o estético (cultura como produtos culturais). O resultado é a ampliação da noção, que passa a englobar não só a chamada alta cultura, mas também as tradições populares e as práticas cotidianas.
Tal processo corresponde à ampliação dos mercados e bens culturais, uma vez que a "aquisição e o consumo de mercadorias, atos supostamente materiais, são cada vez mais mediados por imagens culturais difusas (...), nas quais o consumo de signos ou os aspectos simbólicos de bens tornam-se fontes importantes da satisfação delas derivada" (Featherstone 1997, p. 137). Trata-se, portanto, de um processo que inclui a reconfiguração do papel de instituições e eventos culturais. Neste contexto, mesmo os museus reordenam seus objetivos e práticas. Os museus tradicionais, caracterizados por visarem um público seleto e organizado a partir da autenticidade dos objetos expostos, são parcialmente substituídos pelo dinamismo do "museu-informação", desenvolvidos
em função das grandes metrópoles e de suas multidões anônimas, definindo-se a partir de suas relações com o mercado, com um vasto publico voltado para o consumo de informações e bens culturais. Ele existe basicamente para atender a esse público e pelo qual se vê na contingência de competir com os meios de comunicação de massa. (Gonçalves 2003, p. 183).
Podemos concluir que os habitantes da cidade contemporânea dependem diretamente da mediação da mídia (especialmente a publicidade, o jornalismo cultural e outros promotores culturais) para compreenderem e se integrarem à civilização urbana:
Os processos de comunicação reunidos ao redor da produção da imagem da cidade, seus atores e discursos tecidos em precisas correlações de poder, levam à configuração de um novo ethos ou código social, um conjunto de valores que
68 PIO, Leopoldo G. Entre o Lugar e a Metáfora: cultura e comunicação na cidade contemporânea. Disponível em www.projetosexperimentais.com. Ano 1 – número 2 – Vol. 2 – 1º semestre de 2008. 12p. ISSN: 1982- 2421.
estimulas formas de ser e viver nas cidades de hoje. (...) outros códigos, provenientes de atores sociais insatisfeitos com o senso comum reprodutor dos clichês oficiais, encontram dificuldades para ganhar espaço e expressão. Essas possibilidades e limites tornam centrais os temas da comunicação e do marketing de cidade no debate sobre a vida urbana e no desenho de cenários de futuro. (Sanchez 2001, p. 157)
Por conta destas transformações, Felix Guattari propõe a coexistência de três categorias de cultura na atualidade: a cultura valor, baseada nas diferenças de conhecimento entre classes e em julgamentos de valor; a cultura-alma coletiva, de base territorial, próxima ao conceito antropológico de cultura; e cultura-mercadoria, industrializada, produzida de forma dinâmica e de forma a impregnar todas as dimensões da vida social. Neste último sentido,
A cultura são todos os bens: todos os equipamentos (casas de cultura, etc.), todas as pessoas (especialistas que trabalham neste tipo de equipamento), todas as referências teóricas e ideológicas relativas a esse funcionamento, enfim, tudo o que contribui para a produção de objetos semióticos (livros, filmes, etc.), difundidos num mercado determinado de circulação monetária ou estatal. (Guattari 1986, p. 17)
Se partirmos da tese de que a cultura urbana se configura por meio da articulação destes significados (equipamentos, intermediários culturais, referências teóricas) perceberemos que a estrutura urbana assume papel central na organização das sociedades atuais. Hoje, "a própria imaginação da nacionalidade implica o reconhecimento da complexidade de suas fronteiras internas, externas, simbólicas, econômicas, políticas ou geográficas, reconhecimento este que tem sua chave nos subtextos que a cidade vêm oferecendo" (Holanda 1994, p. 4). Convêm lembrar também que as cidades deixem de ser centros industriais típicos para se tornarem centros de serviços e comércio e sedes de gestão do capital financeiro. O capitalismo mundial integrado, ao provocar um enfraquecimento dos estados nacionais, relativiza a hierarquia entre estados nacionais, estados e cidades, como prova a delegação de novas competências aos governos locais. Com efeito, as cidades substituem a nação como idéia sintetizadora das identidades culturais, tornando-se um espaço que possibilita a diversificação das representações de segmentos étnicos, de gênero, etários ou migrantes.
O contexto apresentado acima nos conduz a duas hipóteses. Em primeiro lugar, a convergência entre cultura-valor, cultura-alma coletiva e cultura-mercadoria no espaço urbano passa a caracterizar a fruição cultural. Em segundo lugar, na medida em que a cidade se torna
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centro de produção e consumo, a cultura se torna parte constituinte dos processos de acumulação e controle social e político:
Os modos de produção capitalísticos (...) não funcionam unicamente no registro dos valores de troca (...), da ordem do capital, das semióticas monetárias ou dos modos de financiamento. Eles funcionam também através de um modo de controle da subjetivação, que eu chamaria de "cultura de equivalência" (...). Desse ponto de vista o capital funciona de modo complementar à cultura (...) o capital ocupa-se da sujeição econômica, e a cultura, da sujeição subjetiva. (Guattari 1986, p. 16)
Deste modo, o vínculo entre economia e cultura explicita uma nova ordem social e urbana. Hoje, não se trata apenas de discutir os efeitos da indústria cultural, mas principalmente compreender o papel das "indústrias criativas" na lógica contemporânea. Cidade e Economia da Cultura
Pode-se perceber nas duas últimas décadas uma ênfase na cidade como fonte de cultura de massa, expressa numa nova abordagem culturalista da cidade: uma espécie de "culturalismo de mercado" (Arantes 2001). Tal processo se notabiliza menos pela ênfase no caráter didático da "cultura-dado histórico" do que no uso da cultura como entretenimento, e na apropriação cultural como estratégia de fortalecimento do valor econômico, através de determinados usos do espaço urbano. Daí a importância da mercantilização da imagem urbana, a proposição de intervenções urbanas como processos de produção de "locais de sucesso" e a reorientação do consumo em direção à economia do lazer e à intensificação da fruição cultural.
Nas últimas décadas, cristalizou-se a idéia de que é necessário captar novos consumidores para um mercado de bens culturais mediante estratégias de promoção cultural. O incremento da circulação de informações e do setor de serviços e o processo de desmaterialização dos bens e produtos conduzem à valorização do "conhecimento" e da "criação", isto é, das qualidades culturais ou "semióticas" dos bens e serviços (Costa 1998). Neste processo, a cultura se torna decisiva para a evolução e competitividade da economia urbana.
Justifica-se, portanto, a concepção de cultura como modo de comunicar a cidade, no sentido de valorizar a imagem urbana aos possíveis interessados (habitantes, turistas, investidores, empreendedores), produzindo mensagens sobre os encantos da vida local. É este
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7 O texto foi referendado no IV Fórum de Autoridades locais de Porto Alegre em Maio de 2004.
contexto que justifica o uso de um planejamento estratégico, que evoque um sentimento de "civismo" em relação à cidade, traduzido por meio de um marketing que visa vender a cidade interna e externamente. Consequentemente, mesmo a história da cidade se encontra subordinada às exigências da modernização econômica e comunicativa proveniente dos processos de globalização.
Tal convergência, na qual a cidade torna-se "território fundamental da diversidade cultural" está presente nas políticas culturais contemporâneas, como comprova a clausula 10 da Agenda 21 da cultura, documento redigido em 2004 durante o Fórum Universal das Culturas, ocorrido em Barcelona7:
A afirmação das culturas, assim como o conjunto das políticas que foram postas em prática para o seu reconhecimento e viabilidade, constitui um fator essencial no desenvolvimento sustentável das cidades e territórios no plano humano, econômico, político e social. O caráter central das políticas públicas de cultura é uma exigência das sociedades no mundo contemporâneo. A qualidade do desenvolvimento local requer a imbricamento entre as políticas culturais e as outras políticas públicas – sociais, econômicas, educativas, ambientais e urbanísticas (2004, p. 1).
Em conseqüência, a cultura passa a designar especialmente as atividades culturais - não só aquelas que possibilitam a crítica cultural ou o resgate de fatos significativos de determinada sociedade, mas principalmente aquelas que se legitimam pela sua rentabilidade. E estas atividades são rentáveis exatamente porque funcionam como ornamentos pessoais, modos de afirmação social, formas de entretenimento, ou fontes de atualização e/ou informação – e que provocam em última análise algum tipo de "gratificação psíquica", distinção sócio-econômica ou, simplesmente, ocupação lúdica (Costa 1998, Arantes 2000).
As atividades culturais e sua interpretação tornam-se códigos explícitos para definir o valor e o sentido do espaço urbano, pois, como lembra Canclini, "ser culto em uma cidade moderna consiste em saber distinguir o que se compra para usar, o que se rememora e o que se goza simbolicamente. Requer viver o sistema social de forma compartimentada" (Canclini 1997, p. 301, grifo meu). Significativamente, as "indústrias criativas" passam a fazer parte de projetos de reorganização de prioridades políticas, sociais e econômicas. No contexto atual, no qual bens, serviços, imagens e estilos de vida tornam-se experiências culturais consumíveis, a cidade torna-se cada vez mais o cenário produtor de subjetividades e identidades coletivas definidas pela apropriação e consumo cultural. Se até os anos 60, a cultura surgia como esfera autônoma baseada em valores antimercado, hoje ela
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8 "O principio democrático acha-se então transformado de uma igualdade real, das capacidades, responsabilidades e possibilidades sociais da felicidade (no sentido pleno da palavra) para a igualdade diante do objeto e outros signos evidentes do êxito social e da felicidade" (Baudrillard 1995, p. 48).
"ao tornar-se imagem, quer dizer, representação e sua respectiva interpretação [...], acabou moldando, de um lado indivíduos (ou coletividades "imaginadas") que se autoidentificam pelo consumo ostensivo de estilos e lealdade a todo o tipo de marca, e de outro um sistema de provedores de produtos simbólicos [...]" (Arantes 2000, p.16-7).
Em suma, os objetos culturais passam a ser vistos como signos distintivos na relação social. Trata-se do desdobramento de uma característica singular da cultura contemporânea: o processo de estetização do mundo - uma perspectiva que percebe objetos mais variados pela sua capacidade de produzir imagens e pela capacidade de representar, teatralizar ou simular experiências estéticas. Sintomas deste processo podem ser percebidos no "marketing das cidades" agindo sobre a identidade local, no enobrecimento de áreas históricas, nos tratamentos espetaculares de grandes projetos urbanos ou nas iniciativas culturais cada vez menos patrocinadas pelo estado e mais pelo capital privado.
Vale lembrar que a imagem, o estilo e a produção espetacular não são apenas formas de distinção, mas critérios de subjetivação. Neste contexto, a felicidade e o bem–estar também ganham um novo sentido: tornam-se mensuráveis pela posse de objetos e signos de consumo (No caso dos shoppings e condomínios, por exemplo, o que se consome é, primeiramente, os signos que evocam o sentimento de segurança). O sentimento de satisfação ou gratificação psíquica só se torna efetivo pelo "filtro" dos signos típicos do consumo - o que significa dizer, entre outras coisas, que a vida passa a depender menos dos laços com os semelhantes do que da capacidade individual de recepção e manipulação de bens e mensagens.
É neste sentido que o conceito de cultura não pode ser visto apenas como valor, mas como diz Guattari, a maneira pela qual as "elites capitalísticas" produzem um "mercado geral de poder". Logicamente, a cultura-massa depene da cultura valor para produzir relações de controle dissimuladas sob a forma de, por um lado, "democratização" e, por outro, "segmentação" ·8 – o que sugere a formação de novas formas de relacionar controle e hierarquização, desejo e consumo.
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9 Ver, por exemplo, Guy Debbord, Sociedade do Espetáculo, São Paulo, Contraponto, 2000; Michel Maffesoli, A Contemplação do Mundo, Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1995, e Jameson (1997).
Cidade, mercado e consumo
Se pensarmos num significado de consumo que ultrapasse aquela que o define como a mera compra ou posse de objetos visíveis, chegaremos à conclusão de que a cidade é o laboratório no qual o consumo ostensivo e fetichista se estabelece. Trata-se, portanto, de perceber a cidade como lugar de consumo e consumo de lugar.
Segundo Baudrilliard (1995, p. 10-15), a sociedade do consumo se caracteriza por dois traços mais evidentes: a profusão e a panóplia. A profusão indica a multiplicação e a abundância de objetos consumíveis, que aparecem amontoados e presentes em todas as dimensões da vida cotidiana. A panóplia indica a integração de produtos como coleção de coisas consumíveis. Cada objeto ou mensagem se estabelece como "encadeamento de significantes e por isso orientam o impulso da compra em feixes de objetos". Dentro deste sistema, cada objeto evoca os outros no momento da compra, isto é, as mercadorias não são mais pensadas isoladamente, mas sim dentro de uma relação de reciprocidade e complementaridade.
A cidade é o cenário no qual se desenvolvem, de forma privilegiada, a profusão e os feixes de objetos. Embora o planejamento urbano queira classificar objetos e signos em determinados espaços sociais e em determinadas linguagens, prescrevendo modos de percepção "adequados", há nos espaços urbanos uma mescla de diferentes interesses (mercantis, comunicacionais, históricos, estéticos), que convergem hoje no uso econômico dos espaços públicos (Canclini 1997, p. 302-3). Deste modo, a cidade atual, fragmentada pelos problemas estruturais e sociais, só parece se reconciliar através da mídia ou pela rede de reciprocidade entre signos e objetos de consumo, pois tais objetos podem mascarar o caos urbano. Não é por outra razão que o shopping torna-se uma síntese superficial da cidade, com suas "praças de alimentação", "alamedas" e "avenidas". A dramatização espetacular típica deste tipo de localidade reduz a realidade a uma multiplicidade de signos, que neutralizam as tensões da realidade, criando uma distância segura em relação aos problemas reais do cotidiano.
Em nome deste império da visualidade, tudo é passível de ser estetizado, e todo consumo tende a consumo voyeurístico. É sintomático que pensadores de formações muito diferentes tenham destacado uma "ética da estética" típica das sociedades atuais9, calcada no
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10 Ver, a esse respeito, Heitor Frúgoli, São Paulo - Espaços Públicos e Interação Social, São Paulo: Marco Zero, 1995. Segundo Frúgoli, "As apresentações artísticas, as relações de encontro e sociabilidade, o ócio (ou numa conceituação mais recente, o lazer) [...] acentuam-se, tornam–se visíveis, enfim, em seus centros públicos, espécies de corações da cidade, onde se intensificam seus pulsares". Frúgoli, p. 11-2.
culto à imagem e à beleza por parte de determinados grupos sociais, que se identificam pelo consumo não só de mercadorias, mas também de "estilos de vida", "sensações" ou formas de distinção econômica. Neste processo, mesmo aquilo que mais caracterizava as cidades (os seus centros históricos e culturais, os monumentos, as praças) se mercantilizam:
O próprio centro cultural torna-se parte do centro comercial. Não vamos apenas pensar que a cultura se prostitui no seu interior, seria demasiado simples. Culturaliza-se. Ao mesmo tempo a mercadoria (vestuário, especiarias, restaurantes etc.) culturaliza-se igualmente, porque surge como categoria lúdica e distintiva, em acessório de luxo, em elemento no meio de outros elementos da panóplia geral dos bens de consumo (Baudrillard 1995, p. 18)
Podemos arriscar a hipótese de que "Culturalização" citada por Baudrillard está a serviço do que Guattari chama de "mais valia de poder" – a expropriação e controle social fundado na cultura enquanto valor, e não no dinheiro (base da mais-valia econômica). A "mais valia de poder" está na ordem do dia nos espaços urbanos, onde a busca pelo prestígio e pela diferenciação social é mais intensa do que a própria produção material. Portanto, não se pode esquecer a relação entre consumo, poder e segregação:
A segregação no "habitat" não é nova, mas (...) tende a tornar-se decisiva, tanto pela segregação geográfica (centro das cidades e periferia, zonas residenciais, guetos de luxo e cidades dormitórios, etc.) como no espaço habitável (...). Os objetos têm hoje menos importância que o espaço e que a marcação social do espaço. O habitat constitui assim possivelmente uma função inversa da dos outros objetos de consumo. Função homogeineizante para uns, função discriminadora para outros, no que respeita ao espaço e à localização. (Baudrillard 1995, p. 56, grifo meu)
Convêm lembrar também que a ênfase na organização racional e econômica das cidades faz com que seus espaços públicos percam sua capacidade de concentrar formas de sociabilidade. Assim, há uma tendência a degradação da esfera pública, e a conseqüente expansão dos espaços fechados (como shopping centers ou os condomínios) em detrimento das antigas referências urbanas. Daí a desertificação e a decadência de áreas emblemáticas da cidade. No contexto capitalista atual, a dimensão simbólica e lúdica10 da experiência urbana - que inclui o imprevisto, o encontro, o "teatro espontâneo" -, se subordina à lógica do consumo e do planejamento racionalista. A mesma modernização que permitiu a liberdade dos projetos individuais e sociais modernos provoca, hoje, um empobrecimento dos espaços públicos, a
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impessoalidade das relações sociais, o "embotamento da capacidade de discriminar", para usar o termos de Simmel.
Considerações Finais
As questões discutidas ligeiramente neste trabalho indicam vários desafios para as ciências humanas. Em primeiro lugar, é necessário compreender o paradoxo no qual a cidade se encontra: enquanto lugar público, nunca esteve tão invisível – embora os discursos e metáforas sobre a cidade estejam tão presentes.
Multiplicam-se as estratégias econômicas, políticas e simbólicas que visam "o futuro das cidades". A internacionalização do capital e a emergência das novas tecnologias, que possibilitam a formação de um sistema de comunicação mundial, acabam por converter a cidade em um espaço sócio-comunicacional, não só porque a idéia que hoje temos da cidade passa pelo foco da mídia, mas também porque as técnicas de comunicação passam a ser elementos essenciais das políticas urbanas locais. A essa questão, deve-se acrescentar a importância atual que a globalização possui no discurso de política urbana.
As recentes tentativas de "revitalizar" Rio de Janeiro e São Paulo demonstram que a "diversidade", a "cultura" e a "tradição" passaram a ser palavras de ordem para os interessados em incorporar as cidades ao mercado global. Por isso, pode-se perceber a tendência em enobrecer determinados espaços, de modo que eles representem o bom gosto e os padrões de consumo de determinados segmentos sociais, e a ênfase na capacidade de atrair convenções e eventos internacionais, de investir no "turismo de negócios", da ênfase nos tratamentos espetaculares do espaço urbano, projetados por arquitetos de renome internacional. Consequentemente, mesmo a história da cidade se encontra subordinada às exigências da modernização econômica e comunicativa proveniente dos processos de globalização.
Por fim, torna-se relevante refletir a respeito da cidade-empresa cultural, geridas como (e para o) negócio, e planejadas segundo os fluxos de capitais e signos do consumo. Neste sentido, corre-se o risco de se enfatizar as noções de cidade-espetáculo e cidade-turismo, desconectadas de outras funções essenciais do espaço urbano, o que minimiza (ou melhor, mascara) a intensidade dos problemas sociais e a própria crise urbana que se instalou nas últimas décadas. Tal ideologia fica claro nos discursos recentes do atual prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia ("Hoje, ser prefeito de uma grande cidade é estar no centro do processo
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de globalização") e do ex-prefeito Luis Paulo Conde ("O Rio lida com a crise produzindo cultura").
O risco, neste ponto, é a neutralização dos problemas e tensões que são características da realidade urbana, bem como a desvalorização das determinações históricas, sociais e políticas que compõem a singularidade e o encanto de nossas cidades.
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Referências Bibliográficas
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Simmel, Georg. "A Metrópole e a Vida Mental". Gilberto Velho (org.), O Fenômeno Urbano, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

elefantes coloridos bracos azuis
disparam seu olhar
horizonte
garimpos armados no centro da cidade
todos buscam sonho
além a terra nos agarra
filhos do vento estamos
acordando agora
elefantes azuis
são brancos e voam
luz que guia
heróis